27 de abril de 2016

Abderrahmane Sissako - Timbuktu (2014)





Mauritânia, França | Abderrahmane Sissako | 2014 | Drama | IMDB 
Francês, Árabe, Bambara | Português | 1h 35mn | 4.372 GiB

Timbuktu

O filme retrata o cotidiano de uma pequena cidade histórica no norte de Mali que passa a ser controlada por extremistas religiosos. De um dia para o outro os moradores são obrigados a conviver com restrições às suas liberdades. Há um toque de recolher, proibição de confraternização mesmo em casa e homens passam a agir como juízes e executores. Nos deparamos com um lugar que não tolera mais a alegria e o amor. 






Crítica: 

Um cinema que precisa ser olhado, ser visto e, para os cinéfilos de várias viagens, ser revisitado. Os filmes de muitas Áfricas compõem uma enciclopédia obscura para vários cinéfilos ao redor do globo, assim como o cinema feito por necessidade, que busca impacto e urgência de infinitos mundos. Eles nos emocionam de maneira imprevisível, porém com muita intensidade. Timbuktu, de Abderrahmane Sissako compõe uma maturidade de substância, de estilo e nos comove com a ruína da moral e da liberdade de pessoas que apenas querem viver suas vidas. 

Sentimos as personagens da obra, como o pastor de gado e a sua família, os Jihadistas e os nativos da vila Timbuktu se modificarem vindos de uma vida calma para uma repressão religiosa. Tudo causado por infortúnios, acidentes e que catapultam cada pessoa em uma reivindicação da vida ou se conformar diante da violência e da invasão dos Jihadistas na vila Timbuktu. 

Sissako nos mostra um radicalismo devorador, que não permite memórias alheias a este extremismo, ele é intolerante com o comportamento dos outros – nada pode ser questionado e uma lei “universal” guiará os habitantes da aldeia e caso não seja obedecida – punições severas para cada ato podem levar à morte e à humilhação. Influências culturais “externas” do mundo ocidental não são permitidas e teriam que ser erradicadas dos costumes. 

O nosso mundo tem muita informação, mas o que deve ser preservado? Algumas coisas precisam ser destruídas ou tudo merece ser mantido? O filme inicia em uma sequência de um animal correndo de pessoas armadas em um jeep e logo em seguida estátuas artesanais de um povo são destruídas pelas armas impetuosas dos guerrilheiros. Ao longo dos seus 90 minutos, a obra nos mostra que a destruição é necessária para o poder de outros e ao mesmo tempo estúpida. Em frente à uma intolerância que talvez seja até atemporal do ser humano, muita de nossa memória, em sentido amplo, pode ser facilmente perdida. 

Todas estas personagens em uma vida tranquila têm um passado e lembranças até o momento em que os que usam da força não querem deixar rastros de uma história primordial de seu “gado”, de suas “ovelhas” no filme. Eles são os escolhidos e os outros devem ser controlados. Os Jihadistas são o marco da nova história da aldeia Timbuktu e qualquer resistência trará à morte: o esquecimento mais cruel. Assim acompanhamos de maneira fragmentada a exclusão destas memórias, destas pessoas imersas em um propenso campo de batalha proveniente dos imprevistos e dos deslizes das pessoas em Timbuktu umas com as outras. Exemplo é o conflito do pastor de gado com o pescador e um caso de adultério na cidade – são memórias que precisam ser apagadas pelos intolerantes, mas Sissako nos ensina muito bem que com a emoção elas não sairão cedo de nossas mentes. Esta é a emoção do filme: algo que merece ser lembrado mesmo com o terror e com o fim de comportamentos à força como o futebol (mesmo se jogar sem bola), ficar à toa em frente da casa e não se vestir de maneira apropriada. 

Nossos heróis do filme são escravizados, apedrejados e a única possibilidade é a fuga das armas e a fuga do próprio filme que é mais uma pistola, deve-se ter muita vontade para sair desse mundo (o filme, o enquadramento), para que as balas não tirem a possibilidade de encontrar amigos e entes queridos. Exemplo é um dos planos mais belos da obra (ver primeira imagem do texto), um grande plano geral após o conflito entre o pescador e o pastor em um lago. O pastor sai de quadro e consegue sobreviver, o pescador se arrasta até o canto direito do enquadramento e não consegue sair do plano: ele está morto. E não apenas isso, a trilha é muito bela e capta os momentos dramáticos de maneira sucinta, a escolha de seu elenco que cria muito mais do que empatia, queremos a sua fuga e que sejam lembrados. 

Mas, talvez possa ser tarde demais e o fim de um momento sincero entre o pastor e sua filha não deve ser mostrado – o seu reencontro durante a destruição de seu estilo de vida e uma das histórias destruídas pelos Jihadistas e sua violência – eles apenas precisam fugir e encontrar o último fôlego para ver a face de cada um e ter as suas últimas memórias. Abderrahmane merece ser descoberto e provavelmente será um cânone fundamental dos cinemas destes primeiros anos do século. 


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Créditos da postagem a mfcorrea, no MakingOff.

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